21 novembro 2007

O caso do italiano.

Quando abri o jornal pela manhã ainda estava atônita. Mais uma desgraça havia abalado a imagem da minha cidade e sujado o nome do meu país. O destino fez com que o turista italiano George Morassi, de 28 anos, encontrasse com um de nossos “despossuídos”.

Ta vai... nossa cidade é violenta, mas todas as outras do mundo também o são. O nosso diferencial? Dividimos, todos, o mesmo espaço físico. Os nossos pobres vivem no meio dos ricos e da classe média. Eles não estão em guetos escondidos no fim do mundo. Eles estão aqui, na porta ao lado. E “nossos mundos” se entrelaçam.

Mas o que me revolta mais nesse momento não é a violência, a desigualdade social ou a cegueira política do "meu povo". O fato é que esses europeus não são melhores melhores que nós e esse senhor, mesmo tendo acabado de perder o filho, não tinha o direito de julgar meu povo e xingar meu país. E é triste ver esse “meu povo” aplaudi-lo.

Entendam como quiserem, mas não aceitarei essa culpa. Eu faço a minha parte, e se a carapuça serviu, comece a fazer você também a sua.

15 novembro 2007

No Divã - parte I

No consultório do Dr Maurício

- Dr Maurício, eu estou com um problema...
- Pode falar, Sérgio.
- Eu acho que a minha mulher está me traindo...
- Mas em que se baseia essa sua desconfiança?
- Eu não sei... ultimamente ela tem chegado tarde em casa; tem sido meio grossa comigo e... ela não está com o mesmo apetite sexual que antigamente, sabe?
- Sei sim, Sérgio. Mas eu acho que isso não é motivo para você desconfiar, meu amigo.
- E por que não?
- Há pouco fundamento nessas razões que você me deu.
- Você acha?
- Acho sim...
- Ela não diz nada ao senhor nas consultas dela?
- Sérgio, seria extremamente anti-ético eu contar qualquer detalhe do que ela me fala. Eu perderia, inclusive, minha linceça. Mas se isso te deixa mais tranquilo, ela nunca tocou em qualquer assunto a respeito de traição.
- Já é alguma coisa.
- Você não tem uma prova ou algo mais consistente?
- Bem, Doutor, hoje eu consegui furtar da bolsa dela o celular que ela usa e no quarto, encontrei um caderno com anotações que ela vinha fazendo nos últimos meses. Eu esperava achar alguma coisa que a comprometa aqui mas... eu estou com medo desde a hora que os peguei.
- Me deixe ver por você, Sérgio.
- Não, Doutor. Você está sendo pago pra ouvir meus problemas, não para botar a mão e resolvê-los. Deixa que eu vejo por mim mesmo!
- Mas, Sérgio!! Deixa eu ver isso!
- Não Doutor!! Eu entrei nisso sozinho e vou sair sozinho!
- Também é parte do meu trabalho tentar evitar que você haja de forma incoerente!
- ...

Manchete no jornal do dia seguinte
ADOLESCENTE MATA PSICÓLOGO E SE SUICIDA EM SEGUIDA

Gravidez precoce realmente é um problema! Adolescentes do meu Brasil varonil: usem camisinha!

12 novembro 2007

Eu sei, mas não devia!

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar pra fora. E porque não olha pra fora, logo se acostuma a não abrir as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender cedo a luz. E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduiche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar por essas coisas.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. Á luz artificial. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Ás bactérias da água potável. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E, se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. A gente se acostuma para nao se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida, que aos poucos se gasta de tanto se acostumar, e se perde de si mesma.

* Adaptado de Marina Colassanti para alguém que infelizmente jamais o lerá, mas deveria.